domingo, 18 de abril de 2010

A Ideia Juche e a Revolução Coreana

“É necessário notar que, mesmo entre os comunistas, pouco se comenta sobre a experiência socialista coreana. Soma-se a falta de informação com o preconceito ideológico das classes dominantes e muita coisa deixa de ser explicada corretamente”

O texto A Idéia Juche e a Revolução Coreana é, infelizmente, iniciadas com estas tristes palavras. Já comentava sabiamente Ludo Martens, em sua ilustre obra Stálin, Um Novo Olhar, sobre a dificuldade de se levantar voz contra o furacão anti-stalinista levantado pelas classes reacionárias. O mesmo comenta também, mais uma vez sabiamente, que a propaganda anticomunista contaminou não só aqueles que se dizem apolíticos, mas também centenas de milhares de comunistas, combatentes antiimperialistas e demais membros das forças populares.

Pois bem, esse mesmo caso se aplica aos dias de hoje. Mesmo após a história ter provado o quão erradas e contra-revolucionárias são as posições antistalinistas, ainda persistem aqueles que fazem questão em fazer coro com as posições da burguesia com relação aos países socialistas.

Sem dúvida, dentre os países que resolveram manter o rumo socialista mesmo após a queda da URSS – República Popular da China, República de Cuba, República Socialista do Vietnã, República Democrática Popular da Coreia -, o último é o que passa por mais dificuldades, e também é o maior alvo no qual a propaganda anticomunista resolveu mirar.

No Brasil, ainda existem poucos ou quase nenhum escrito com uma visão revolucionária com relação à experiência socialista da Coreia. Sou capaz de dizer, aliás, que o texto que aqui publicamos é um dos primeiros escritos que esclarecem de fato o que acontece no país. Sem sombra de dúvidas, aos que recusam a se submeter ao furacão anticomunista, tal obra é uma rica fonte de informações sobre a República Popular Democrática da Coreia e, portanto, deve ser lida e estudada.





A IDEIA JUCHE E A REVOLUÇÃO COREANA 

Por Gabriel Martinez





“Os revolucionários devem ter como máxima de suas vidas e de suas lutas, a verdade de que se confiam e se apóiam no povo, sempre se sairão vitoriosos, porém se são repudiados por ele, sofrerão mil derrostas.” Kim Il Sung – Presidente e líder histórico da República Popular e Democrática da Coréia.

É necessário notar que, mesmo entre comunistas, pouco se comenta sobre a experiência socialista coreana. Soma-se a falta de informação com o preconceito ideológico das classes dominantes e muita coisa deixa de ser explicada corretamente. Não é difícil encontrarmos militantes socialistas e comunistas defendendo a posição ideológica do imperialismo, de que a República Popular Democrática da Coreia (RPDC) vive sob uma “ditadura-monárquica” brutal. A experiência norte-coreana deve ser analisada à luz do materialismo-histórico, tendo em vista que a revolução coreana é parte da revolução proletária mundial e que representou um papel importante na luta transformadora do século XX. As forças revolucionárias precisam – urgentemente – recuperar sua autonomia ideológica, rompendo definitivamente com os preconceitos difundidos pela ideologia dominante do imperialismo.

O que é Ideia Juche?

A ideologia oficial do partido governante da RPDC, o Partido do Trabalho da Coréia (PTC), é a Ideia Juche. A Ideia Juche foi desenvolvida por Kim Il Sung, líder da revolução coreana e fundador do Partido do Trabalho da Coreia. De acordo com os comunistas coreanos a superioridade da Ideia Juche consiste no fato de que, indicando a posição e o papel do homem no mundo, esclarece-se de maneira mais científica a forma como o homem forja o seu destino. O problema fundamental da filosofia deixa de ser a relação entre o pensar e a existência e passa a ser entre o mundo e o homem. Segundo os atuais dirigentes comunistas coreanos, a Idéia Juche não é apenas o marxismo-leninismo adaptado à realidade coreana, mas sim uma nova ideologia, superior ao próprio marxismo. É o socialismo científico alçado a outro patamar. Nas palavras de Kim Jong Il, principal líder da RPDC:

“Se o marxismo criou pela primeira vez a concepção revolucionaria de mundo da classe trabalhadora, a ideia Juche a aperfeiçuou, desenvolvendo-a à uma etapa superior.”

Em suas memórias Kim Il Sung nos revela que durante a luta revolucionária “sua doutrina”, “seu credo” foi o chamado “iminwichon”, que significa considerar o povo como o centro de tudo. O principio básico da Ideia Juche é de que as massas populares são donas do mundo e de seu próprio destino.

A RPDC foi fundada em um período de ascensão do movimento revolucionário, mais precisamente no ano de 1948, um ano antes da fundação da República Popular da China. Assim como as demais revoluções que triunfaram na Ásia a defesa da dignidade nacional estava em primeiro plano. Para os comunistas coreanos só poderia existir defesa da dignidade nacional se tal luta estivesse ligada organicamente com a luta pelo socialismo. Só quem viveu aquele sombrio período pode relatar com precisão o que era viver em um país ocupado pelo imperialismo japonês. As feridas deixadas pela invasão japonesa, e mais tarde, pela guerra promovida pelo imperialismo norte-americano ainda sangram e mexem profundamente com o emocional dos coreanos. Vale lembrar que o país asiático onde mais ocorrem protestos contra os Estados Unidos é justamente a Coreia do Sul.

Patriotismo, Nacionalismo e Comunismo: alguma contradição?
Uma das grandes polêmicas que perduram dentro do campo das forças revolucionárias, até os dias de hoje, é o da possibilidade de relacionar ideais nacionalistas com ideais comunistas. As revoluções de libertação nacional, que eclodiram na Ásia e África, demonstraram empiricamente que a Questão Nacional é o elo que liga as massas populares dos países subjugados pelo domínio econômico e militar do imperialismo ao socialismo. Contudo, para não gerar confusão, acredito que seja necessário distinguir os dois tipos de nacionalismo; aquele professado pelos imperialistas, que legitima agressões, invasões e espoliações, e o nacionalismo popular das massas de países subjugados, que defende os interesses da nação contra os invasores e a exploração imperialista. Em suma, trata-se de dois conceitos diferentes de nacionalismo: o da burguesia e o das massas oprimidas.

No texto Para compreender corretamente o Nacionalismo Kim Jong Il chama a atenção e expõem a necessidade de se diferenciar o “verdadeiro nacionalismo” do “nacionalismo da burguesia”. Para ele o nacionalismo burguês se manifesta como “egoísmo nacional”, “exclusivismo” e “chauvinismo de grande potência”. Essa afirmação não é nenhuma novidade dentro do movimento comunista internacional, mas mesmo assim alguns países socialistas chegaram a cometer esse desvio. Para os comunistas coreanos os grandes clássicos do marxismo-leninismo não deram respostas suficientes a respeito do sentimento nacionalista, devido ao grande combate que a teoria revolucionária travou contra esta ideia, isso permitiu que não se tratasse corretamente esse aspecto da teoria. Kim Jong Il afirma que:

“O nacionalismo não está em contradição com o internacionalismo. Internacionalismo é ajuda apoio e solidariedade entre os países e nações (...) Para dizer a verdade, um internacionalismo à margem da nação e divorciado do nacionalismo não significa nada.”

Outro exemplo clássico de junção de ideais nacional-patrióticos e comunistas é o caso do Vietnã. Ho Chi Minh, um dos maiores revolucionários da história, disse certa vez que, teria sido o patriotismo, e não o comunismo, que o levou acreditar em Lênin e na 3ª Internacional.

Levando em consideração que em países subjugados pelo imperialismo, podem fazer parte do que chamamos de “massas populares” várias classes sociais diferentes (operários, camponeses, pequena-burguesia, burguesia nacional) é necessário que os comunistas compreendam que a sua concepção de nacionalismo e patriotismo se difere da concepção burguesa. Analisando o caso coreano, muitos setores da burguesia nacional acreditavam que após a libertação da pátria, o que deveria ser feito era a restauração da velha monarquia, ou alguns, nutrindo esperanças reformistas, acreditavam que o caminho correto a seguir era o da construção do capitalismo. Porém, os fatos demonstram que somente os comunistas poderiam levar a luta revolucionária do povo coreano até o fim, defendendo um nacionalismo-popular de caráter revolucionário.

Os países asiáticos que realizaram revoluções socialistas e depois resistiram à queda do campo socialista não abriram mão de seu caráter internacionalista. É um principio de classe inerente à ideologia comunista, mas ao mesmo tempo não podem abrir mão de seus interesses nacionais, tendo em vista que o imperialismo ainda ameaça a independência dos povos no mundo e principalmente a soberania desses países. Basta analisarmos o apoio que os Estados Unidos deram, e ainda dão, aos separatistas tibetanos e Dalai Lama, na luta pela desestabilização da República Popular da China. Lembrando que a questão nacional se faz presente em amplos países do chamado “Terceiro Mundo” e não somente dos países socialistas que ainda existem.

Acredito ser necessário abordar mais um problema, que nos leva a defender a ainda presente centralidade da questão nacional na revolução coreana. Devemos levar em consideração que a Coreia é um país ocupado e dividido. A RPDC sofre não somente um poderoso bloqueio econômico, mas também militar. O risco de uma possível guerra ainda é uma realidade na vida do povo. Após o término da guerra da Coreia, nenhum tratado de paz entre Estados Unidos e Coreia Popular foi assinado. Incentivar o sentimento patriótico é uma maneira de estimular o espírito das massas no combate ao imperialismo e na resolução do problema da reunificação da pátria. O problema da reunificação da pátria só será devidamente solucionado quando as tropas americanas deixarem o sul da península, para que o próprio povo coreano cuide dos problemas relevantes a sua reunificação nacional pacifica.

Movimento comunista coreano e a luta pela libertação da pátria
O triunfo da Revolução de Outubro trouxe novos ventos para o mundo todo e na Ásia, obviamente, não foi diferente. Na época a Coreia se encontrava sob ocupação japonesa e a luta pela libertação nacional era a principal bandeira de luta dos progressistas coreanos. Foi nesse cenário que começou o surgimento de pessoas adeptas aos ideais comunistas, tendo em vista o declínio do nacionalismo burguês. Antes mesmo do triunfo da revolução russa, foi fundada na Coreia, uma organização chamada ANC (Associação Nacional Coreana). Era uma organização clandestina que tinha como objetivo promover a libertação do país e construir um Estado “soberano” e “civilizado”.

A base social da ANC era muito ampla, uma organização de massas, que contava com a presença de trabalhadores, camponeses, estudantes, militares independentistas, comerciantes, religiosos, etc. Kim Hyong Jik, pai de Kim Il Sung, foi um dos fundadores da ANC.

O Partido Comunista da Coreia foi fundado em 1925 e dissolvido em 1928, após anos de repressão brutal e muitas disputas fracionárias dentro do partido. Kim Il Sung costumava tratar com certo desprezo as diversas frações que se diziam marxistas-leninistas como era o caso do grupo “União Marxista Leninista” e o “Grupo Hwayo”. Em 1926 Kim Il Sung criou a UDI (União para derrotar o imperialismo). O tempo que passou em uma escola militar dirigida pelos nacionalistas coreanos, fez amadurecer a ideia de que, com aquela ideologia (nacionalista burguesa) e os métodos militares utilizados pelas forças independentistas, a independência da Coreia não iria se concretizar.

A UDI prestou um papel importante na elevação do grau de consciência e organização das massas coreanas, principalmente os jovens. Mais tarde a UDI se converteria na União da Juventude Anti-imperialista. Depois, em 1927, Kim Il Sung funda a UJCC (União da Juventude Comunista da Coreia). Estendendo sua atividade para o território chinês, Kim Il Sung fundaria mais organizações de massas, como a União da Juventude Paeksan e a União de Camponeses de Xinantun.

No decorrer da luta revolucionária, após longo processo de reflexão dos aspectos ideológicos que guiavam a ação dos comunistas coreanos, Kim Il Sung concebe a Ideia Juche. O objetivo da nova ideia revolucionária era o de munir as massas populares de uma ideologia que buscasse a independência da Coreia, apoiando-se na própria força do povo coreano. Kim Il Sung concluiu que cada nação pode fazer triunfar sua revolução somente sob sua própria responsabilidade e que os problemas surgidos no interior do processo deveriam ser solucionados de maneira independente.

A “Conferência de Kalun” e o ponto de virada da revolução coreana
No dia 30 de Junho de 1930, ocorre em Kalun, na China, uma reunião de dirigentes da Juventude Comunista e Anti-imperialista. Tal reunião representaria um marco na história do movimento comunista coreano. Nela, Kim Il Sung apresentou um informe intitulado “O caminho a ser seguido pela revolução coreana”, que apresenta pela primeira vez as concepções da Ideia Juche. As principais diretrizes da reunião definiram:

- A primeira etapa da revolução coreana era democrática, anti-imperialista e antifeudal;

- As principais forças da revolução são constituídas pelos amplos setores anti-imperialistas da sociedade coreana, formados por camponeses, trabalhadores, estudantes, intelectuais, pequenos proprietários, religiosos e capitalistas que possuíam alguma consciência nacional;

- Constituir um Exército Revolucionário da Coreia, que conduziria a Luta Armada Antijaponesa;

- Fundar de maneira independente um partido revolucionário comunista, corrigindo os erros que levaram a liquidação do antigo partido.

A primeira organização do novo partido surge logo após o término da conferência de Kalun e ganha o nome de Associação de Camaradas Konsol. Logo após, se constitui o Exército Revolucionário da Coréia. A nova orientação surgida na Conferência de Kalun ganha apoio da Internacional Comunista.

Após duras batalhas, em 1945, finalmente, o povo coreano vence o imperialismo japonês; o povo coreano, através de suas organizações clandestinas, o Exército Popular Revolucionário e o Exército Vermelho (URSS) foram os principais atores da revolução coreana. Comitês Populares se espalharam por todo território coreano, constituindo assim um órgão de poder popular constituído pelo próprio povo coreano. A União Soviética permaneceu estacionada na parte norte da península. Os Estados Unidos só entrariam na parte sul da península coreana, três semanas depois da libertação do país, e logo trataram de reprimir violentamente os Comitês Populares, devolvendo o poder aos antigos oligarcas representantes do regime colonial. A União Soviética retirou suas tropas da Coreia em 1948, ao passo que os Estados Unidos mantêm as suas até os dias de hoje.

A luta revolucionária do povo coreano nasceu da luta por independência, que começou a ficar mais organizada após a fundação da ANC. Mesmo após anos de lutas por libertação, a revolução coreana está inconclusa. O país segue ocupado por forças imperialistas, estacionadas no sul, que impedem o antigo sonho das massas populares coreanas por independência. O imperialismo americano impôs ao povo coreano uma nova experiência de humilhação: a divisão do país. Em um país ocupado, bloqueado, que sofre ameaças constantes da mais poderosa máquina de guerra da história, a Ideia Juche representa a sistematização teórica da longa trajetória revolucionária do povo coreano, de seu anseio por autonomia, adequando os princípios básicos do socialismo-científico à realidade coreana.

Referências bibliográficas:
•Zong Il, Kim. Sobre La Idea Zuche. Pyongyang: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1982, Corea.
•Kim Il Sung: Breve Biografia. Pyongyang: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 2001, Corea.
•Il Sung, Kim. En el Transcurso Del Siglo vol.I e II. Pyongyang: Ediciones en
Lenguas Extranjeras, 2001, Corea.
•Jong Il, Kim. Para compreender correctamente el Nacionalismo. Pyongyang. 2002
• Nogueira Lopes, Juan. 61 anos de Revolución en Corea. Publicado originalmente no site Kaos en La Red: http://www.kaosenlared.net/noticia/61-anos-de-revolucion-en-corea